Dupla Materialidade: entenda o conceito e como as empresas podem se preparar

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Açucena Tiosso
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Nos últimos anos, a forma de avaliar os impactos ambientais, sociais e de governança (ESG) das empresas passou por uma evolução significativa. Um dos principais pontos de discussão atualmente é o conceito de dupla materialidade, que vem ganhando força em relatórios e legislações na Europa e em outros mercados. Mas o que exatamente é dupla materialidade e como ela difere das abordagens anteriores? Vamos explorar essas questões e mostrar o que as empresas precisam fazer para se adequar.

Origem do Conceito

A dupla materialidade se popularizou principalmente na União Europeia, especialmente com a adoção da Diretiva de Relato Não Financeiro (NFRD) e, mais recentemente, com a Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD). Nessas normas, as empresas são orientadas a divulgar não apenas como fatores ambientais, sociais e de governança podem afetar sua performance financeira (a chamada “materialidade financeira”), mas também como suas atividades impactam o meio ambiente e a sociedade (“materialidade de impacto”).

Esse alargamento da perspectiva reflete uma tendência de maior transparência e responsabilidade corporativa, impulsionada pela pressão de investidores, consumidores e reguladores para que as empresas assumam um papel mais ativo na agenda de sustentabilidade.

O Que Muda em Relação à Materialidade Anterior

Tradicionalmente, a materialidade era entendida como a identificação dos temas ESG que poderiam afetar o desempenho financeiro ou reputacional de uma empresa — em outras palavras, uma perspectiva de dentro para fora limitada a riscos e oportunidades que impactassem a companhia.

Com a dupla materialidade, há duas dimensões centrais:

  1. Materialidade Financeira (Outside-In):
    Avalia como fatores externos (mudanças climáticas, regulamentações ambientais, pressões sociais etc.) podem afetar o valor e a estabilidade financeira da empresa.
  2. Materialidade de Impacto (Inside-Out):
    Considera como as atividades empresariais afetam o meio ambiente, a sociedade e demais partes interessadas, mesmo que tais impactos não tenham efeito imediato nas finanças da companhia.

Essa abordagem mais ampla se alinha à exigência de diversos stakeholders — como comunidades locais, clientes e ONGs — que desejam entender de que forma as ações corporativas geram impactos positivos ou negativos.

Por Que Isso É Importante

  1. Atender às Exigências Regulatórias
    Em algumas regiões, a dupla materialidade já faz parte de leis e normas. Empresas que desejam operar ou captar recursos em mercados como o europeu precisam se adequar aos requisitos de relatórios que considerem as duas dimensões de materialidade.
  2. Atração de Investidores
    Investidores institucionais estão cada vez mais atentos a práticas ESG, e muitos avaliam tanto o risco financeiro quanto o impacto socioambiental gerado pela empresa. Demonstrar uma visão completa e transparente sobre esses pontos pode facilitar o acesso a capital.
  3. Reputação e Vantagem Competitiva
    Ao evidenciar compromisso com temas sociais e ambientais, a organização fortalece sua reputação e se diferencia em um mercado cada vez mais competitivo e atento à sustentabilidade.
  4. Gestão de Riscos e Oportunidades
    Adotar a dupla materialidade ajuda a empresa a mapear riscos antes negligenciados (como possíveis danos ambientais ou impactos nas comunidades), bem como identificar oportunidades de inovação e redução de custos (por exemplo, ao otimizar recursos naturais).

Como as Empresas Podem se Adaptar

Realizar Análises de Materialidade Ampliadas

  • Inclua a perspectiva dos stakeholders internos (colaboradores, acionistas) e externos (comunidades, clientes, fornecedores, ONGs, governos).
  • Conduza pesquisas, entrevistas e workshops para entender tanto o impacto da empresa na sociedade quanto os riscos e oportunidades que o contexto externo representa.

Definir Indicadores e Metas Claras

  • Identifique indicadores que reflitam não só riscos financeiros, mas também impactos socioambientais.
  • Estabeleça metas mensuráveis em temas como emissões de carbono, uso de recursos naturais, promoção de diversidade, entre outros.

Adotar Frameworks Relevantes

  • Ferramentas como GRI (Global Reporting Initiative), SASB, TCFD e as novas normas do ISSB (IFRS S1 e S2) podem auxiliar a estruturar relatórios mais completos e comparáveis.
  • A vantagem da dupla materialidade é que ela combina elementos de diferentes padrões, oferecendo uma visão mais holística.

Envolver a Alta Liderança

  • A adoção da dupla materialidade exige mudanças na estratégia de negócios, na governança e até na cultura corporativa.
  • Garantir o patrocínio de executivos e conselheiros é fundamental para implementar ações efetivas e alinhar orçamentos e metas estratégicas.

Comunicar-se com Transparência

  • Elabore relatórios consistentes, mas também invista em canais de diálogo com stakeholders, incluindo redes sociais, eventos e plataformas de engajamento.
  • Ao mostrar resultados e desafios de forma clara, a organização constrói confiança e gera oportunidades de colaboração.

Conclusão

A dupla materialidade não é apenas uma tendência regulatória, mas um reflexo das novas demandas da sociedade e dos investidores por maior transparência e compromisso socioambiental. Adotá-la significa ampliar a forma de enxergar os riscos e as oportunidades do negócio, levando em conta tanto os impactos que o mundo exerce sobre a empresa quanto os impactos que a empresa exerce sobre o mundo.

Preparar-se para essa mudança envolve repensar processos de governança, comunicação e tomada de decisão, mas também pode ser um caminho para a criação de valor de longo prazo. Afinal, organizações que compreendem e gerenciam seus efeitos socioambientais — ao mesmo tempo em que lidam com as transformações externas — tendem a construir relacionamentos mais sólidos e a permanecer relevantes em um mercado que exige cada vez mais responsabilidade e inovação.